Liturgia e Homilia na Celebração do Jubileu Sacerdotal
Destaque

“Compadeceu-Se de toda aquela gente, porque eram como ovelhas sem Pastor (Mc 6,34)!”

1.No contexto desta celebração jubilar, alguém, de entre vós, me enviou uma mensagem: “Resuma, por favor, numa palavra, o que foram, para si, estes vinte e cinco anos”! E, de imediato, me veio à mente o lema que escolhera aquando da ordenação sacerdotal: «reunir os dispersos» (cf. Jo 11,51.52). 

Não satisfeita com a resposta, a pessoa retorquiu: “É uma frase muito longa. São três palavras. Eu pedi-lhe que dissesse tudo numa só palavra”. E passei o santo dia a organizar os pensamentos, a discernir os sentimentos, a reler os acontecimentos, destes 25 anos. E pareceu-me ter encontrado, no Evangelho da Missa Nova (Mc6,30-34),a palavra-chave: «compaixão». Em boa verdade, são duas palavras numa só. Leia-se das duas formas: quer separadamente «com paixão», quer numa só palavra «compaixão», e acrescentemos-lhe o lema pastoral «reunir os dispersos».

 

2.A partir daqui, permitam-me, dizer-vos, três palavras, o que me vai na alma:

2.1.Primeira palavra: «Paixão». Diz o Evangelho, que “os Apóstolos voltaram para junto de Jesus e contaram-Lhe tudo o que tinham feito e ensinado” (Mc 6,30). Do relatório exaustivo de tudo, afinal não sabemos rigorosamente nada: nada de êxitos e fracassos, nada de desilusões ou dificuldades. Tudo o que fizeram e ensinaram tinha apenas Jesus como única referência. Fica-nos, portanto, o acento do evangelista, na relação íntima, pessoal e cordial, entre Jesus e os Apóstolos, a quem chama amigos.É de Jesus que partem. É a Jesus que regressam. É Jesus a verdadeira paixão. É Jesus o lugar feliz, destes homens, “que são como sítios desviados do lugar” (Daniel Faria). A missão brota precisamente daqui: desta paixão por Jesus, pela Sua causa (o Reino de Deus) e pelo Seu povo (cf. EG, 268).

Ao longo destes 25 anos, vivi esta paixão, isto é, a certeza da paixão de Jesus por mim, na fraqueza da minha paixão por Ele, e na comunhão desta paixão pelo Seu povo. Com paixão, ateei o fogo do Seu nome, no entusiasmo da pregação e “na força da ternura e dos afetos” (EG, 288). Ainda que alguns sentimentos confusos pudessem girar pelo meu coração, manteve-se sempre viva, em mim, graças a Deus, a decisão de O amar, de Lhe pertencer por inteiro e até ao fim (cf. AL, 163). A amizade com Cristo, que sempre me precede e excede, tem sido, por isso, a sarça-ardente desta paixão (Ex3,2) por Ele e pelo Seu povo. Quero, por isso, firmar e reafirmar hoje, diante de todos vós, esta paixão, que arde em mim, como o fogo santo que purificou Isaías (Is6,1-6-8), ou como o fogo da Palavra que devorava o coração de Jeremias (Jr 20,7-9), ou como o fogo de Paulo, na sua loucura missionária, que o levava a dizer, com tanto ardor: «Ai de mim, se não evangelizar» (1 Cor 9,16)! Pedi a Deus que nunca se extinga, em mim, o fogo desta paixão!

 

2.2.Porque daqui, desta paixão, se compõe e decompõe, asegunda palavra, a palavra-chave: «compaixão». Jesus - dizia o Evangelho - “compadeceu-Se de toda aquela gente”. Compadecer-se é tornar sua a dor do outro, é estremecer, por dentro, com o sofrimento de alguém. A compaixão enxerta o mundo na alma do pastor. É nisto que Jesus, rosto da misericórdia do Pai, nos desafia: na capacidade, não em primeiro lugar de fazer isto ou aquilo, de realizar pequenas ou grandes obras, nem sequer de resolver os problemas das pessoas, mas sobretudo de as amar, de rir e de chorar com elas, de caminhar e de sofrer com elas e por elas, guiando-as, na esperança! Senti, desde o início do ministério, que o Senhor unge os sacerdotes “para darem testemunho da Sua compaixão” (Homilia da Missa Nova, 20.07.1991). E por isso, fui aprendendo e recebendo a alegria de unir e de ungir as pessoas, com a doçura e a frescura da Palavra, com o óleo da ternura, da proximidade, da alegria, da esperança, do perdão e da consolação, que transbordam do coração de Deus, que nos apascenta com misericórdia.

Sei bem que, muitas vezes, o cansaço de uma vida dispersa desfiguraram, em mim, este «rosto da misericórdia» e por isso, peço e espero o vosso perdão. É comovente ver como o bom rebanho, não perde o odor do pastor: em momentos difíceis, fostes vós, em palavras e gestos impensados, não programados, que guardastes a minha alegria, que me protegestes da desgraça, que me abraçastes e abristes o coração, dando ao meu uma alegria maior. Por isso insisto, com paixão, no valor da relação pessoal, que é o alfa e o ómega do ministério pastoral.

2.3.A última palavra é aquela primeira, que trago gravada, como um selo no meu coração: reunir os dispersos, porque são“como ovelhas sem pastor” (Mc 6,34). E há tantos dispersos dentro da comunidade, que é preciso unir e reunir, e tantos dispersos, de longe, que é preciso atrair para o Pai. Chegar aos dispersos, implica, para todos nós, a ousadia de saltar a fronteira do adro. Oh, quantas vezes me apetece sacudir o pó dos pergaminhos e dos papéis, na vida paroquial, para sairmos ao encontro dos filhos de Deus dispersos. Gostaria tanto que este Jubileu da Misericórdia nos adentrasse, cada vez mais, nos dispersos, de modo que as periferias se tornassem o centro da nossa atenção pastoral.

3.Queridos irmãos e irmãs: convosco, dou graças a Deus, por estes 25 anos de ministério, que afinal são inteiramente vossos. Peço-vos que rezeis por mim. Para que eu encontre em Cristo o meu lugar feliz. E seja sempre, para todos, um lugar livre, uma ponte e um ponto de encontro e de aproximação, um porto de abrigo, para a congregação de todos os filhos de Deus, que andam dispersos (Jo 11,51.52).

Rezemos também por todos os padres: pelos que já partiram, pelos que acabam de chegar, e por aqueles que se ressentem de algum cansaço. E imploremos sempre: “Dá-nos mãos ungidas / que nos guiem. / Entrega-nos, Pai, quem nos conduza, / até sermos todos em Ti!” (Daniel Faria)

 

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