Homilia - Sermão na Festa de Santo António 2016
1. Santo António, o melhor da nossa seleção!
Se há alguém que merece fazer parte da nossa «seleção nacional» é Santo António! É português de origem, nascido em Lisboa, de família nobre, em 1195. Foi batizado com o nome de Fernando. Uniu-se aos cónegos que seguiam a regra monástica de Santo Agostinho, primeiro no mosteiro de São Vicente em Lisboa e, sucessivamente, no de Santa Cruz, em Coimbra. Aconteceu aí o episódio que contribuiu para uma mudança decisiva na sua vida: ali, no ano 1220 foram expostas as relíquias dos primeiros cinco missionários franciscanos, que tinham ido a Marrocos, onde encontraram o martírio. A sua vicissitude fez nascer no jovem Fernando o desejo de os imitar e de progredir no caminho da perfeição cristã: então, pediu para deixar os cónegos agostinianos e para se tornar frade menor. O seu pedido foi aceite e, tomando o nome de António, partiu também ele para Marrocos, mas a Providência divina dispôs de outro modo. Após uma doença, foi obrigado a partir para a Itália e, em 1221, participou no famoso "Capítulo das Esteiras" em Assis, onde encontrou também São Francisco. Enviado a pregar por ocasião de uma ordenação sacerdotal, mostrou ser dotado de ciência e eloquência, e os Superiores destinaram-no à pregação. Começou assim em Itália, uma vida de pregação, até ser convocado para ir a França, para entrar noutro campeonato, onde jogará à defesa, entre 1223 e 1226, dando bom conselho, ensinando os ignorantes, corrigindo os que erram, como verdadeiro “martelo dos hereges”. Santo António foi também um dos primeiros mestres de teologia dos Frades Menores, ou até o primeiro. Iniciou o seu ensino em Bolonha, com a bênção de São Francisco, o qual, reconhecendo as virtudes de António, lhe enviou uma breve carta, que iniciava com estas palavras: "Agrada-me que ensines teologia aos frades". Tornando-se Superior dos Frades Menores do Norte de Itália continuou o ministério da pregação, alternando-o com as funções de governo e uma cuidadosa atenção aos pobres. Concluído o cargo de Provincial, retirou-se para perto de Pádua, aonde já tinha ido outras vezes. Após um ano, faleceu nas portas da cidade, a 13 de junho de 1231, com a fama de «santo».
E com isto, está mais do que justificada a inclusão de Santo António, entre os melhores da nossa seleção nacional, um «português universal», de entre os mais ilustres filhos da nação e da Igreja em Portugal. Talvez poucos se lembrarão de Cristiano Ronaldo daqui a 50 ou cem anos. Mas “a memória e o nome” de Santo António “permanecerão de geração em geração” (cf. Sir 39,8-14),
2. Santo António, Doutor da Igreja há 70 anos
O «Santo de todo o mundo», como lhe chamou o Papa Leão XIII, viria a ser proclamado «Doutor da Igreja», pelo Papa Pio XII, em 1946, fez setenta anos, precisamente no passado dia 16 de janeiro. Por isso, gostaria de insistir, nesta dimensão do nosso santo, que é bem mais do que um folião das festas, ou o protetor dos animais ou o advogado das coisas perdidas ou o santo casamenteiro. Santo António é um pregador fulgurante, que conhecia de cor a Bíblia e explicava as Escrituras, como ninguém, de tal modo que o Papa Gregório IX lhe chamou "Arca do Testamento". Anunciava a Palavra com arte sábia de pregador. E testemunhava-a com a vida santa e exemplar. É um pregador da realidade, da natureza, da vida e da história. Usa a metáfora, a parábola, o cenário, a ação dramática no esforço de transmitir a sabedoria de uma vida que experimenta. Sendo tão proveitosa para aqueles que o escutaram, ainda hoje podemos tirar proveito dela nos seus Sermões dominicais e festivos que chegaram até nós, onde combina, de maneira magistral, “uma ideia, um sentimento, uma imagem” (EG 175).
3. Santo António, uma luz inspiradora para uma cultura da misericórdia…
Mas há um terceiro e último ponto, sobre o qual gostaria de falar, sobretudo, no contexto do Ano da Misericórdia. A este respeito, o nosso santo pode tornar-se uma luz e uma referência, na prática das obras de misericórdia.
Escutemos ainda o nosso santo: «Dai aos pobres. Quem não dá e fecha as entranhas ao seu irmão pobre, peca mortalmente, porque não existe nele a caridade de Deus. Entesoura no Céu aquele que dá a Cristo. Dá a Cristo, aquele que dá ao pobre».
Por isso, os pobres aproximavam-se de Santo António porque não se sentiam humilhados, nem pelo seu saber, nem pela sua virtude. Já no seu tempo, notava: «hoje são os pobres, os simples, os humildes, que têm sede da palavra da vida e da água da sabedoria. Pelo contrário, os mundanos, aqueles que se inebriam com o cálice de ouro do vício, os sabidos, os conselheiros dos poderosos - acreditem-me - não se deixam anunciar a mensagem divina». “O Santo” (e os italianos nem precisam de dizer o nome, para se saber que é Santo António) denunciou o egoísmo dos ricos, a usura e a exploração dos operários. Dez anos depois da sua morte, um frade afirmara a seu respeito: «no nosso tempo, nunca ouvimos um tão doce consolador dos pobres e tão áspero acusador dos poderosos».
A sua pregação e a sua vida estão cheias de exemplos de defesa dos mais descartáveis da sua época e de denúncias vigorosas dos desmandos dos poderosos de seu tempo. Ouvimo-lo pregar com veemência: "Ó ricos, tornai-vos amigos dos pobres, acolhei-os nas vossas casas: serão depois eles, os pobres, quem vos acolherão nos eternos tabernáculos". Perguntava-se Bento XVI, ao falar de Santo António: “Não é porventura este um ensinamento muito importante também hoje, quando a crise financeira e os graves desequilíbrios económicos empobrecem não poucas pessoas, e criam condições de miséria” (Audiência, 10.2.2010)?
Na verdade, como o mesmo Papa emérito recordara, na sua encíclica social "a economia tem necessidade da ética para o seu correto funcionamento, não de uma ética qualquer, mas de uma ética amiga da pessoa" (CV 45). E o Papa Francisco denunciará ainda com vigor a «economia que mata» (EG 53). Mas mais luminosa ainda que a sua palavra é o seu exemplo, na prática das obras de misericórdia: “libertava os que eram presos por dívidas e levou a edilidade de Pádua a publicar um estatuto especial, neste sentido. Pugnava pela restituição das usuras e de bens extorquidos pela violência, afastava as prostitutas do seu infame modo de vida e convencia os ladrões profissionais a não tocarem no bem alheio, mas a trabalharem honestamente para ganhar o pão de cada dia” (Santo António de Lisboa, Doutor Evangélico, Obras completas, I, Lello e Irmão Editores, Porto 1987, pp.XXI-XXII).Podemos dizer hoje que “a sua luz desponta como a aurora” (Is 58,8), porque se dedicou, de corpo e alma, a todas as obras de misericórdia. Por isso, vendo nós as suas obras, glorificamos a Deus e sentimo-nos impelidos a ser “misericordiosos como o Pai” (Lc 6,36). Nesta perspetiva, poderemos dizer que Santo António, patrono dos pobres, é o padroeiro da consciência social e torna-se, no nosso tempo, uma luz inspiradora para uma cultura da misericórdia.
4. …Para fazermos da nossa terra pátria das bem-aventuranças!
Irmãos e irmãs: neste tempo difícil, a figura de Santo António está diante dos nossos olhos a desafiar-nos a edificarmos uma “Igreja pobre, para os pobres, de modo que os pobres sintam a Igreja, como sua casa” (EG 199). Seguindo o seu exemplo, é importante que os cristãos, iluminados pela luz do Evangelho, se comprometam na sociedade, na política, nas instituições, levando o sal do Evangelho, contra a corrupção, e ajudando a construir um mundo novo, com outro sabor, mais justo, mais solidário e mais misericordioso. E assim a Igreja se torne “Casa do Pão”, para fazer da nossa terra, «a Pátria das bem-aventuranças»!