1. Esta é, por isso, uma obra de misericórdia que se torna “ofensiva”, num tempo em que o “saber” está a um clique do rato do computador ou do telemóvel. Basta ir ao “Google” ou consultar a Wikipédia e já nos sentimos verdadeiros «mestres» na matéria. Pura ilusão. O conhecimento não é apenas acumulação de informação. O verdadeiro «conhecimento» implica que aquilo que vou aprendendo me faça outro. Conhecer é, de algum modo, «co-nascer», voltar a nascer, deixar-se formar e transformar, pelo conhecimento adquirido, de modo que a própria vida se torne outra. Quem chegará ao final da sua “formatura”, sem ter adquirido um novo olhar sobre a vida?
2. Mas não esqueçamos que ensinar significa, literalmente, «pôr um sinal», «deixar uma marca», tornar-se, de algum modo, um ponto de referência para outro. Não ensina, quem não deixa a sua marca, quem não oferece «sinais» que permitam ao outro situar-se na própria vida. Mas o verbo ensinar tem alguns sinónimos, como, por exemplo, «instruir», que sugere a ideia de “construir” por etapas, de modo a que a pessoa alicerce e construa, pouco a pouco, o seu projeto de vida. Ensinar é também «orientar», isto é, acender no outro uma chama, conduzi-lo em direção à luz da verdade, a fim de se deixar iluminar por ela. No mesmo sentido, o ensino é também a arte de fazer vir à luz, o que há de belo e de bom em cada pessoa e ajudá-la a ver com olhos novos, capazes até de visionar um novo céu e uma nova terra, oferecendo-lhe palavras-chave, que iluminam e transformam a sua vida.
3. Para nós, o único Mestre é Cristo, em quem coincidem o Caminho, a Verdade e a Vida. Ele ensinava, sem a arrogância dos doutores da lei, mas com a autoridade, que lhe vinha da Sua coerência entre o ser, o dizer e o fazer. Por isso, pôde dizer «amai-vos uns aos outros, como Eu vos amei». E nesse mandamento vital, Jesus «ensina», isto é, deixa-nos, com o Seu exemplo, o sinal, a marca distintiva da fé.
4. Ensinar os ignorantes! Que significa isto, em concreto, hoje, e para nós?
4.1. Ensinar os ignorantes significa “vencer a ignorância em que vivem milhões de pessoas” (MV 15). Vão neste sentido, os vários programas de alfabetização e a formação permanente, que afinal dizem respeito a todos.
4.2. Ensinar os ignorantes significa também “evangelizar”. A primeira leitura falava-nos do primeiro anúncio do Evangelho, que abria aos pagãos a porta da fé, e com ela uma nova visão da vida. Mas falava ainda de exortações frequentes e da necessária consolidação da fé: “iam fortalecendo as almas dos discípulos”. Trata-se aqui de dar consistência ao entusiasmo inicial, de oferecer sólidas razões de esperança, de aprofundar o sentido da fé germinal. Não nos basta, por exemplo, grande entusiasmo com a visita da imagem da Virgem peregrina. É preciso “educar, evangelizar, formar, acompanhar, aprender” (Bispos do Porto, “Causa da nossa alegria”, 4.4.2016). Os cristãos precisam, e muito, de leitura, de formação bíblica, doutrinal, moral e espiritual, nos diversos âmbitos, da catequese para todas as idades, do ensino religioso escolar, da preparação dos sacramentos, do compromisso nos movimentos apostólicos. Sem isso, a fé pode reduzir-se a uma centelha inicial, a uma vela, que tão depressa se acende, como mais depressa ainda se apaga.
5. Irmãos: no dever de ensinar, está também incluído o correspondente dever de aprender e de caminhar com quem se quer ensinar. Peçamos ao Senhor, único Mestre, que faça de nós discípulos, aprendizes humildes do Seu Evangelho, para chegarmos à fé verdadeira, que nos faça ver tudo de novo e, a partir daí, renovar todas as coisas!
