Homilia no VII Domingo Comum C 2025
E se arrancássemos do Evangelho esta página tão dura de roer? E se fizéssemos tábua rasa deste Sermão da Planície? Tudo então nos seria mais fácil! Ao escutarmos estas palavras, ficamos com a impressão de que Jesus não nos conhece bem; em alguns momentos, interrogamo-nos até se Jesus estará a falar para nós ou para gente de outro mundo! A nossa reação espontânea é talvez dizer: «isto não é para mim; isto mão é bem assim; isto é injusto; isto é impossível de pôr em prática». Será?
1. Isto é para mim? Sim, isto é para mim! A mensagem de Jesus dirige-se aos seus discípulos e não a extraterrestres ou a heróis da fita. Os verbos estão todos no modo imperativo, uns na segunda pessoa do plural («vós»), outros na segunda pessoa do singular («tu»): É uma carreira alternada de imperativos. “amai, fazei o bem, emprestai, abençoai; orai, perdoai, dai; «a quem te bater; a quem te levar a capa; a quem te pedir, ao que levar o que é teu». Está, pois, muito claro: isto é mesmo para mim, para ti!
2. Isto é mesmo assim?Sim. É mesmo assim. Não procuremos trocar o sal por açúcar. O que Jesus nos propõe é mesmo isto: amar os inimigos, fazer bem a quem nos faz mal, dar a quem não nos pode retribuir… Isto é o que verdadeiramente distingue o discípulo do pagão: ele não é apenas «amigo do seu amigo»; ele não dá apenas quando espera retorno; ele vai mais alguém da justa medida; o discípulo vai para além do instinto, do ódio,vai mesmo para além de um amor sentimental, de afeto e de carinho, em relação a uma pessoa amada. O discípulo de Jesus é chamado a amar os próprios inimigos! Não se trata de um amor de abraços e beijinhos; trata-se de querer bem, de ter uma atitude de interesse positivo pelo bem dos próprios inimigos.
3. Isto é possível? Sim, isto é possível! Se dependesse apenas de nós, da nossa boa vontade, dos nossos bons sentimentos, tudo isto seria impossível. Mas o Senhor nunca nos pede algo que não nos dê primeiro. Quando Ele me pede, por exemplo, para amar os inimigos, Ele quer dar-me essa capacidade para o fazer. Santo Agostinho rezava assim: «Senhor, dá-me o que me pedes e pede-me o que quiseres» (Confissões, X, 29.40). O que lhe podemos pedir e receber então, na oração? A nossa união com Cristo, pela qual nos tornamos filhos do Altíssimo, que é bom para os ingratos e maus! O que lhe podemos pedir e receber na oração? A nossa comunhão com Cristo, pela qual recebemos a força de amar como Ele nos ama. O que lhe podemos pedir e receber na oração? A graça do Espírito Santo, que nos forma e transforma no amor. Na verdade, é impossível viver este Evangelho sem o Amor de Cristo em nós. É impossível ser-se cristão, sem Cristo vivo e ativo em nós!
4.Tomemos apenas, como exemplo, um dos desafios mais radicais do Evangelho: «a quem te bater numa face, apresenta-lhe também a outra» (Lc 6,29). E pensemos imediatamente em Jesus. Durante a Paixão, Jesus levou uma bofetada de um dos guardas. E como se comportou? Jesus disse ao guarda: «Se falei mal, prova-o. Mas se falei bem, por que me bates?» (Jo 18, 23). Oferecer a outra face não significa sofrer em silêncio, ceder à injustiça. Não. Com a sua pergunta, Jesus denuncia o que é injusto. Mas Jesus faz tudo isto, sem ceder à raiva, à violência; fá-lo com gentileza. Ele não quer aumentar a violência, mas desanuviar o rancor, extinguir o ódio e a injustiça. Jesus não está preocupado por ter sido Ele o ofendido. Jesus quer compreender e recuperar o irmão culpado. Oferecer a outra face não é «perder a face»; é um sinal dado por quem tem mais força interior, por quem cede à força superior do amor!
5.Irmãos e irmãs: está a crescer, de uma forma galopante e preocupante, uma cultura da vingança, da violência, física e verbal, doméstica e social, na vida familiar e até entre crianças, adolescentes e jovens. “Fizeste-me isto, far-te-ei aquilo» e ainda com maior violência! Quantas vezes, guardaremos no coração um ódio de estimação, um rancor que fere e destrói. Aprendamos de Cristo, manso e humilde de coração, a reagir ao mal com o bem, especialmente com quem nos é hostil e de quem não gostamos tanto ou nada, porque violência sempre gera violência! Só o amor estanca a corrente do sangue, do ódio e da vingança! Neste Jubileu, dêmos um sinal de esperança, pondo fim a qualquer instinto de violência e de vingança. Para alcançarmos do Senhor, este alto grau do Seu amor, exercitemos «a virtude quotidiana da esperança, pela qual fazemos o possível e confiamos a Deus o impossível» (cf. Karl Rhaner).
Segue-se uma proposta, com que se pode concluir a homilia
6.Sugiro-vos, por fim, um breve exercício de silêncio e de oração. Pensemos numa pessoa que nos feriu. Talvez haja dentro de nós algum ressentimento. Coloquemos este ressentimento ao lado da imagem de Jesus, manso, durante o julgamento, após a bofetada. E peçamos ao Espírito Santo, que nos forme e transforme o coração, que nos ajude a perdoar. Em vez de falarmos mal da pessoa que nos magoou, rezemos por ela (cf. Lc 6, 28). E o sentimento de rancor irá desaparecendo pouco a pouco. Rezar por quem nos feriu é o primeiro passo para transformar o mal em bem. E porque é tão difícil, amar assim, rezemos cheios de confiança: «Senhor, dá-me o que me pedes e pede-me o que quiseres» (Confissões, X, 29.40).