Homilia no XXXIV Domingo Comum B 2024
1.Um rei na lama!Era este o título de uma notícia, num semanário português, a respeito da reação do povo de Valência, à visita dos reis de Espanha, Filipe VI e Letícia. A imagem era bem elucidativa. As mais altas figuras do Reino estavam, entre o povo, afogados em lama, por efeito da terrível tempestade Dana. Não vou discutir se os insultos se dirigiam aos reis, se aos membros do governo. Não vou discutir a raiva, a dor, o luto, a incerteza, a dúvida e a incredulidade de um povo, que se sente abandonado. Não sei sequer se os jornalistas se precipitaram nas notícias e erraram, a respeito do alvo das críticas, insultos e protestos. Pouco importa. A mim, aquela lama, mesmo se atirada com raiva, era verdadeiramente a matéria, o óleo santo, para a verdadeira unção de um rei, que se dispõe a escutar, que se sujeita à contestação, que não se envergonha de sujar as suas mãos e as suas vestes. Esta é, sem dúvida, uma imagem pouco convencional, a de um Rei ou de uma Rainha, que imaginamos habitualmente de coroa na cabeça, de longas vestes sobre o corpo e de mãos macias. Aqui o rei está na lama, porque não lavou as mãos, como outros Pilatos.
2.Lembrei-me disto, a propósito deste interrogatório de Pilatos, diante de Jesus, um homem quase despido, sem exército, sem poder, sem armas, um Homem ferido e insultado. Como poderia este Homem, um Homem exposto e deposto, apresentar-Se como Rei? Pilatos virou o bico ao prego e pôs-se no lugar de Deus, que pergunta ao homem, desde o princípio: “Que fizeste”? Pilatos até percebe que Jesus não é uma ameaça para Herodes, tão fraca e pobre é a gente que O apoia e segue. Mas está ali, a interrogar Jesus, no meio da lama, da podridão do poder político e religioso. Mas não quer sujar as mãos, nem trocar ou manchar as vestes com Jesus!
3.Jesus responde e deixa claro que não é Rei à moda deste mundo; o seu reino não é deste mundo. Ele só quer um território para reinar: o coração do seu povo, o coração de cada um de nós. Ele só quer dar testemunho da verdade, da verdade do amor infinito que Deus nos tem. O seu poder não é o das armas, mas o do Amor. Ele só é todo-poderoso, no seu Amor invencível por nós. Ele sabe bem da lama de que somos feitos. Ele próprio fez lama, com terra e saliva, para ungir os olhos do cego. Ele vem dizer-nos que o verdadeiro amor não fica de mãos lavadas e que a única maneira de as ter limpas é sujá-las, no serviço aos outros. Por isso, em vez de uma coroa com joias, tem uma coroa de espinhos; em vez de vestes caras, usa a toalha do lava-pés, isto é, a toalha do serviço; em vez de sapatos com adornos, ele usa sandálias de peregrino.
4.Irmãos e irmãs: fixemos então três coisas simples: Primeira: Jesus só quer reinar no nosso coração, sem nunca perder o primeiro lugar. Ele quer ser mais importante que o desporto, mais importante que o tempo livre, mais importante que as festas de aniversário, mais importante que os passeios de fim de semana. Tudo isto é belo, tudo isso é nosso. Mas nós somos de Cristo, como Cristo é de Deus. Por isso, Jesus quer apenas ser o Rei do nosso coração, o Rei da festa maior, em cada Eucaristia dominical, em cada gesto bonito de amor, que brota do nosso coração compassivo. Na verdade, Jesus reina, quando o Seu amor está primeiro, quando o Seu amor nos alcança e transforma, por dentro e por fora! Segunda: Não lutemos pelas vestes longas, brancas ou vermelhas, pelas honras do altar ou do poder, mas pela toalha do serviço, suja, porque deixou os outros limpos. Terceira: se algum dia quisermos ser reis e senhores, sigamos o exemplo de Jesus Cristo, o Rei na lama. Ele vestiu as nossas vestes imundas, para nos revestir com as suas vestes de luz e de glória.
5.Disse o Papa Francisco: “Prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças” (EG 41). Esta é a Igreja, que segue um Rei ungido na lama. Quem quer este lugar?!