Homilia no XXVI Domingo Comum B 2024
1. Filhos do trovão era a alcunha dos irmãos e apóstolos Tiago e João. E hoje esse traço de personalidade manifesta-se neste excesso de zelo, com que João apresenta a Jesus a sua moção de censura: «Mestre, vimos alguém expulsar demónios em Teu nome e tentámos impedi-lo, porque não nos segue» (Mc 9,38). Desde logo, há um equívoco, quando João apresenta o motivo da censura: «porque ele não nos segue». Ora, nenhum discípulo segue um grupo, por mais exemplar que seja; o discípulo segue Jesus. Mais importante do que salvar a honra ou a identidade do grupo é garantir a realização da obra de Jesus, a manifestação do seu Reino, a sua vitória sobre o mal. Eis porque Jesus responde: «Não lho proibais, porque não há ninguém que faça um prodígio em meu nome e em seguida possa falar mal de mim. Pois quem não é contra nós, é por nós” (Mc 9, 39-40).
2. João e os outros discípulos manifestam, pois, uma atitude de fechamento, diante de um acontecimento que escapa ao seu controle, não faz parte dos seus esquemas, neste caso, a ação boa de uma pessoa estranha ao círculo mais estrito dos seguidores de Jesus. Ao contrário, Jesus parece muito livre, plenamente aberto à liberdade do Espírito de Deus, que na sua ação, não é limitado por confim nem espaço algum. Jesus quer educar os seus discípulos para esta liberdade interior, para que não nos tornemos controladores da graça de Deus, para que não caiamos na tentação do domínio espiritual sobre os outros, impedindo o Espírito Santo de agir, para lá da nossa quinta, para além do nosso grupo, do nosso partido. O Espírito Santo não se deixa amarrar; não é reserva ecológica da nossa quinta paroquial. Ele fala e atua, muito e bem, através daqueles que não frequentam a Igreja ou não partilham as nossas convicções, mas, de boa vontade, constroem o Reino de Deus, lutando pela dignidade da pessoa humana, pelo bem comum, pela justiça social, pelo amor fraterno, pela paz.
3. Esta atitude dos filhos do trovão é muito comum. Em boa-fé, aliás com zelo, gostaríamos de proteger o bom nome e a identidade do nosso grupo. Mas, ao mesmo tempo, há como que o medo da concorrência: tememos que alguém nos possa subtrair novos seguidores e então não conseguimos apreciar e reconhecer o bem praticado pelos outros: não está bem, porque não é dos nossos. É uma forma de autorreferencialidade, em que os grupos giram à volta de si mesmos, impedindo a expansão do Reino de Deus à sua volta. É o triste espírito de capelinha, que tantas vezes destrói a unidade e desfigura a comunidade. Aqui está a raiz do proselitismo, deste excesso de zelo por conquistar território, por ocupar espaços, por arrebanhar para o grupo e não para Cristo e para o seu Reino. Ora, a Igreja não cresce por proselitismo, mas por atração.
4. Jesus exorta-nos hoje a não pensarmos mais segundo estas categorias de “amigo e inimigo”, “nós e eles”, “quem está dentro e quem está fora”, “meu e teu”, “praticante e não praticante”: é preciso ir além, abrir o coração para poder reconhecer a presença e a ação do Espírito de Deus, inclusive em âmbitos imprevisíveis e em homens e mulheres de boa vontade, que não fazem parte do nosso círculo, do nosso grupo, da nossa comunidade. Trata-se de estarmos atentos ao bem, à beleza e à verdade, que se manifestam de modo genuíno, fora do nosso grupo e fora do nosso campo de visão e de ação. Isso importa mais do que o nome ou a proveniência de quem o pratica.
5. Eis porque acrescentamos ao lema do nosso ano pastoral, “peregrinos de esperança” o belo subtítulo “com todos e para o bem de todos”. Este com todos implica acolher e reconhecer todos os que abrem os olhos e veem com o coração, todos os que põem pés ao caminho para sair ao encontro dos outros, todos os que estendem a mão ao seu semelhante. É com todos, que Deus conta para o bem de todos. Quem nos dera a todos com todos e para o bem de todos…