Homilia no III Domingo da Páscoa B 2024
Pelas suas chagas somos curados (1 Pd 2,24; Is 53,5)! E, quando pensávamos largar esta imagem, que marcou o nosso caminho para a Páscoa, eis que Jesus volta a desafiar-nos a ver e a tocar as suas mãos e os seus pés, a ver e a tocar as suas chagas, as marcas do seu amor por nós. Jesus insiste em três verbos muito concretos: ver, tocar e comer. São três ações que nos podem proporcionar a alegria de um verdadeiro encontro com Cristo vivo e Ressuscitado, presente no meio de nós, quando reunidos em Seu Nome.
1. Ver.«Vede as minhas mãos e os meus pés» – diz-nos Jesus. Ver não é apenas olhar; é mais do que isso: requer a atenção, a intenção, a vontade, a aproximação. Ver é uma das formas do verbo amar, é um primeiro passo contra a indiferença, contra a tentação de virar a cara para o outro lado, face às dificuldades e sofrimentos dos outros. Vejo ou olho para Jesus? Desvio o rosto das minhas feridas e das feridas dos outros ou aproximo-me para ver, para conhecer, para curar, para amar? Na própria celebração da Eucaristia, é importante não se limitar a ver… pela televisão ou simplesmente a ouvir a Missa. Deixemos que Jesus, pela Sua Palavra e pelo gesto da fração do Pão, nos abra os olhos da fé, para O vermos e O reconhecermos vivo e presente. Daí a importância dos dois verbos seguintes: tocar e comer.
2. O segundo verbo é o verbo tocar. “Tocai-me”, diz Jesus aos discípulos, para mostrar que Ele não é um fantasma, não é um espírito ambulante, não é uma ilusão da mente. Portanto, também a relação com Ele e com os irmãos não pode permanecer à distância, não é uma relação virtual, platónica. Não basta ver as feridas. O Bom Samaritano não se limita a olhar o ferido: aproxima-se, pára, inclina-se, liga as feridas, toca-o, carrega-o no seu cavalo e leva-o para a estalagem. O mesmo se pode dizer da nossa relação com Jesus: amá-lo significa entrar numa comunhão de vida, numa comunhão de corpo e alma com Ele. O corpo humano não é um obstáculo, nem uma prisão da alma. A vida cristã não se realiza fora desta esfera corpórea e material, porque em Jesus Cristo, o Verbo fez-Se Carne e a Carne tornou-se o eixo da nossa salvação. Por isso, uma fé desencarnada, viral ou virtual, imaginária, que despreze o corpo, é um ilusório sentimento religioso. Aprendamos a rezar e a celebrar também com o corpo: o corpo entra na oração e participa na liturgia, porque esta é acontecimento, é presença real, é encontro pessoal com Cristo. Que o toque, o tato e o contacto real corpo a corpo, com as pessoas, tornem mais concreto o nosso afeto, mais afetuosas as nossas relações com Deus e com os irmãos. E assim chegamos ao terceiro verbo…
3.Comer. «Tendes aqui algo para comer?», perguntou Jesus. Ele sabe que precisamos tanto de alimento para viver, como de comermos juntos à mesma mesa, para alimentarmos a comunhão com Ele e entre nós. Curiosamente, é sempre na Sala da Ceia, ou a comer e à volta de uma mesa, que o Ressuscitado Se manifesta. Este alimento à mesa não pode ser substituído por pastilhas eletrónicas, por orações ou devoções individuais. Não podemos ficar satisfeitos com uma Missa de sofá, a ver pela televisão, pelo Facebook, como não podemos matar a fome vendo programas do Master Chef. Na verdade, um cristianismo sem corpo, sem Eucaristia e sem comunidade, é um cristianismo sem Cristo, é uma fé sem corpo e sem alma.
Irmãos e irmãs: mantenhamos com Cristo uma relação humana, pessoal e comunitária, de corpo e alma, de carne e osso: procuremos vê-l’O e tocá-l’O, para O reconhecermos nas suas feridas e nos sinais da Sua presença no meio de nós, “quando nos reunimos no Seu amor e, como outrora aos discípulos de Emaús, Ele nos explica o sentido da Escritura e nos reparte o Pão da Vida”. Transformados por Ele, saibamos ver e tocar as feridas dos irmãos, para as podermos curar e para os alimentar de alegria, de esperança e de paz!