Homilia no X Domingo Comum A 2023
Há dois fios ou desafios, que ligam a Liturgia da Palavra deste Domingo àquelas que escutávamos nas duas últimas solenidades.
1. O primeiro fio ou desafioéo do conhecimento do verdadeiro rosto de Deus: um Deus, rico em misericórdia! No passado Domingo da Santíssima Trindade, descobríamos que o Deus revelado a Moisés não é um deus duro, como as pedras da Lei, mas «um Deus cheio de misericórdia e fidelidade». É um Deus com entranhas de amor, de compaixão, «um Deus clemente e compassivo» (Ex 34,6). Essa bela imagem de Deus reaparece-nos hoje na Profecia de Oseias. O Profeta desafiava-nos a procurarmos conhecer o verdadeiro rosto do Senhor e desconcertava-nos com esta confissão final do nosso Deus: “Eu prefiro a misericórdia ao sacrifício” (Os 6,6). Oseias desvenda-nos assim a imagem de um Deus que nos ama com a paixão de um verdadeiro amor e que nada mais no pede em resposta ao Seu amor senão o nosso amor por Ele. Será, porém, Jesus, a revelar, na chama e na luz do Seu olhar de benevolência, o rosto da misericórdia do Pai. É, pois, muito significativo que Jesus recorra à Profecia de Oseias, para justificar a escolha de Mateus: “Eu prefiro a misericórdia ao sacrifício” (Mt 9,13; Os 6,6). O cobrador de impostos era visto como um pecador insuportável e irrecuperável, a manter à maior distância possível, mas é precisamente esse pecador que Jesus Se aproxima e olha com misericórdia! O desafio de Jesus, perante o escândalo daquela escolha é o mesmo de Oseias: o de aprendermos a conhecer o verdadeiro rosto de Deus, que vê o coração, que vê com o coração e transforma a nossa vida com o Seu olhar. É possível um arrecadador de impostos levantar-se do seu posto e transformar-se num servidor! O olhar de Jesus transforma os nossos olhares, o seu coração transforma o nosso coração. Então, para conhecer e amar a Deus, não é preciso ser uma pessoa perfeita, mas simplesmente ter um coração misericordioso. O que mais nos afasta de Deus não é a nossa condição de pecadores, mas a soberba e o orgulho de quem se julga bom e salvo pelos seus méritos. Na verdade, a nossa fragilidade não afasta, antes atrai o olhar misericordioso do Senhor. Este Evangelho desafia-nos, portanto, a aprender a conhecer Deus, desaprendendo e desprendendo-nos de falsas imagens e representações que temos e fazemos de Deus. Quantas vezes, imaginamos um deus implacável, cuja ira julgamos aplacar com os nossos sacrifícios e penitências, quando afinal Ele é um Deus, que nos precede e excede no Seu Amor. Com Ele, uma simples troca de olhares, muda a vida inteira. Puxemos por este fio e desafio: conhecer o rosto misericordioso do Senhor, sendo misericordiosos como o Pai.
2. Mas há um segundo fio ou desafio,na liturgia deste dia, e que nos religa especialmente à passada quinta-feira: para conhecer verdadeiramente Deus, é preciso aprender a saboreá-l’O. A sabedoria divina é alcançada mais pelo sabor do que pelo saber: «Saboreai e vede como o Senhor é Bom», diz o salmista (Sl 33/34). Por isso, Jesus escolhe a mesa, como lugar privilegiado para a revelação do Seu amor, do perdão e da misericórdia. Jesus faz da mesa, do comer e do beber, do estar e do conviver com os pecadores, uma escola prática de sabedoria evangélica, onde o verdadeiro saber começa pelo saborear da Palavra e do Pão da Vida. Puxemos por este fio e desafio: aproximando-nos da Eucaristia, alimentemo-nos do Corpo e Sangue de Jesus, que “não é um prémio para os perfeitos, mas um remédio generoso e um alimento para os fracos” (EG 44; AL, 305, nota 351).
3. Caríssimos irmãos e irmãs: depois das grandes festas e solenidades, retomamos agora o Tempo Comum, o tempo quotidiano, em que as surpresas de Deus, passam mais pelos lugares-comuns da nossa vida, quantas vezes à mesa do nosso trabalho, do que pela emoção dos grandes dias e acontecimentos. É um tempo longo, favorável à lenta aprendizagem de Deus! Com estes dois desafios, o da experiência da misericórdia divina e o da participação na mesa da Eucaristia, procuremos conhecer, saborear, ver e mostrar a todos como o Senhor é Bom!