Homilia no 3.º Domingo da Quaresma A 2023
Com tanta e tão boa água, não queria correr o risco de meter água, nesta conversa à volta do mais belo e longo diálogo, em todo o Novo Testamento. Deixo apenas três perguntas, para continuar este diálogo com Cristo, junto ao poço de Jacob. Tomo como referência três símbolos deste encontro: o poço, a água e o cântaro.
1.O poço é o lugar do encontro. Junto ao poço de Jacob houve muitas conversas, que acabaram em enamoramento, em casamento (Gn 24; 29,1-14; Ex 2,15-22). O poço é, por isso, o símbolo do coração humano, que tem sede de amor. Às vezes, procuramos matar esta sede com água inquinada, não com bebida espiritual, que brota do rochedo que é Cristo, mas com bebidas espirituosas, estimulantes, que levam corantes e conservantes. Cristo oferece no poço a água vivente, o presente, o dom do Seu Amor: o amor de Deus derramado em nossos corações. O poço é o lugar onde a samaritana pode conhecer o verdadeiro dom, abraçar o presente, que não é mais a água do poço, mas o próprio Cristo, a sua fonte de água viva, para a vida eterna. Para descobrir e abraçar este presente, é preciso cavar na amargura existencial da vida, escavar no fundo do poço das nossas misérias, ir bem ao fundo do coração. Porque o poço está dentro de nós. É preciso desentulhá-lo, destapá-lo, abri-lo, limpá-lo, para que comece a brotar do nosso coração crente aquele rio de água viva, que mana e corre, para a vida eterna (Jo 7,38). Multipliquemos os poços, para facilitar o encontro com Cristo, sentando-nos ao lado das pessoas, para tornar presente o Senhor nas suas vidas.
Neste encontro, cara a cara com Cristo, perguntemo-nos: Tenho sede de Deus, como de água para a boca? Procuro encontrar nas profundidades do meu coração um veio de água pura? Ou ando sempre à tona da água, na superfície da vida, na espuma das ondas? Procuro saciar esta sede de Deus nas fontes puras do Batismo, da Palavra, da Eucaristia? Procuro conhecer o dom de Deus, isto é, conhecer Jesus, conversar com Ele, enamorar-me d’Ele?
2. A água que Cristo tem para dar não é a mesma água que pediu à samaritana. Não é uma água que se tira, a custo, do fundo do poço com um balde e se transporta depois num cântaro à cabeça, que um dia lá perde a asa! Não. É a água dada, água pura, água vivente, é o dom, é o presente da própria vida de Deus, que vive e nos faz viver. Esta água é vida, esta água mata a sede de vida plena, de vida amada, de vida transformada, de vida inteira e verdadeira, de vida renovada. Recebemos no Batismo, pela água e pelo Espírito, esta vida que nunca mais acaba. Pelo Batismo, somos mergulhados na torrente do amor divino.
Analisemos bem a qualidade da água do nosso batismo e perguntemo-nos: É ainda água vivente ou é água parada? É água pura ou água inquinada? Estou disposto a banhar-me nas lágrimas da Penitência, para voltar às águas puras do Batismo?
3. Por último, o cântaro. A mulher deixa o cântaro, porque encontrou dentro de si mesma a fonte de água viva. Deixando o cântaro, deixa a sua vida antiga, abraça o presente da vida nova, inicia um caminho novo. E, logo de seguida, a Mulher testemunha, na sua cidade, a graça daquele encontro. Assim, Ela conhece e reconhece, anuncia e testemunha o dom de Deus, que está dentro de si.
Perguntemo-nos: Sou capaz de levar a frescura da água viva do Evangelho, da graça de Cristo, às pessoas da minha casa, da minha terra, das minhas relações? Anuncio alegremente Cristo, com a experiência do meu encontro com Ele ou falo d’Ele como quem «dá água sem caneco»? Sou pessoa-cântaro capaz de dar a beber aos outros da água fresca do Evangelho, recebida de Cristo (EG 86)?
Na verdade, o presente só é abraçado quando é partilhado!“Por que esperamos nós” (E.G.120)?