Liturgia e Homilias no XXVII Domingo Comum C 2022
Destaque

“Senhor, aumenta a nossa fé” (Lc 17,5). Eis uma bela oração dos Apóstolos. Mas, pela resposta de Jesus, talvez esta oração deva ser dita e traduzida, hoje, por nós, de uma outra forma: “Senhor, dá-nos um pouco de fé e isso nos basta”! Na verdade, Jesus responde a este pedido da «muita fé» com duas imagens modestas: a da pequenez do grão de mostarda e a da humildade do servo disponível.  Em todo o caso, o Senhor prefere a fé humilde e serviçal dos pequeninos à fé arrogante e soberba dos que se julgam donos de Deus. Que a frescura da Palavra, o Pão da Eucaristia, a e o contágio do testemunho nos ajudem a crescer na pouca fé, na fé pequenina, na fé dos mais pequeninos.

 

 

Homilia no XXVII Domingo Comum C 2022

Há duas coisas que me (nos) desconcertam, neste Evangelho!

1. A primeira é o pedido dos apóstolos, que se assumem e reconhecem como pessoas de pouca fé. Eles sabem que só pela fé poderão aprender a confiança e suportar juntos com esperança as exigências do Caminho novo e o peso da Cruz. E por isso pedem apenas isto de presente: «aumenta a nossa fé». É um surpreendente pedido, uma confissão humilde de pobreza, que nos mostra como eles são e se sentem tão pequeninos na fé. Isto contrasta obviamente com a arrogância de tantos crentes, que se apresentam hoje como pessoas de muita fé, seguras de si mesmas, convencidas das suas virtudes, inchadas de uma pia e santa vaidade pelo seu percurso religioso, dentro ou à margem da Igreja. E, como prova disso, exibem os números da sua prática religiosa, os quilómetros a pé, as velas acesas, as promessas feitas, as graças recebidas em recompensa dos seus grandes méritos. Contrariamente a esta soberba, os apóstolos sentem que a sua fé é muito pequena, que deve ainda crescer, amadurecer, frutificar, no frio, na escuridão, na incerteza, na dúvida, no sofrimento, e até na morte, como o grão de trigo lançado à terra, que tem de morrer para dar fruto. Os apóstolos ensinam-nos a sermos humildes na fé. Uma grande fé não é uma grande coisa. E esta é a primeira coisa que me desconcerta e nos devia desassossegar.

2. A segunda coisa desconcertante é a resposta de Jesus. Ele não oferece aos apóstolos a «muita fé» que estes lhe pediram. Sugere-lhes a fé pequenina, como a de um grão de mostrada, feita de confiança, não nas próprias forças, mas no poder de Deus, que torna possível o impossível. Está visto que Jesus não quer apostar as suas fichas numa fé grande, mas, pelo contrário, quer simplificá-la, torná-la do tamanho de um grão de mostarda. Talvez a fé dos apóstolos quisesse ser grande demais, feita de muitas certezas – e a fé não se dá nas certezas, mas na angústia. A fé simples não se confunde com uma fé fácil, porque não é aquele sentimento religioso da paga de um favor, mas é a adesão do coração a Deus, pelo que Ele é em Si mesmo. Muitas vezes, será necessário fazer morrer a fé presunçosa, a fé grande, para fazer ressuscitar a fé como um grão de mostarda, pequena e cheia de poder. Só na medida em que esta fé “baixar a bola”, até se tornar pequenina como a semente de um grão de mostarda, é que ela poderá dar o seu fruto e manifestar toda a sua força. Jesus parece dizer-nos então: a pouca fé dos pequeninos contém mais vida e confiança do que a grande fé dos crentes convencidos. Deus nos livre então da fé grande, vistosa, poderosa, armada. O Senhor prefere a fé pequenina, a fé dos pequeninos. Esta é a segunda coisa que nos devia desconcertar.

3. Mas, irmãos caríssimos, se há aqui alguém que queira avaliaro tamanho da sua fé, use a medida que Jesus usou: a do serviço desprendido, gratuito, humilde, que não espera outra recompensa senão a alegria do dever cumprido. Se a fé é um dom, então este presente divino, esta dádiva da fé, será tanto maior quanto cada um for capaz de abraçar o presente e responder à chamada de Deus, de maneira muito simples: «Presente, eis o servo, eis a serva do Senhor. Eis.me aqui, para o que for preciso».

4. Posto isto, se os apóstolos não me levarem a mal, eu terminaria com uma prece ao Senhor, a pedir-lhe que conserve em nós o tesouro da «pouca fé»:

 

Senhor,

se a nossa religiosidade

está sobrecarregada das nossas certezas,

leva parte dessa «grande fé» para longe de nós.

Liberta esta religiosidade

daquilo que é demasiado útil.

Livra-nos da fé de chumbo, solidificada e inchada,

da fé fácil, convencida, armada, aliada ao poder,

feita de seguranças e de certezas.

 

Dá-nos, Senhor,

a fé por Ti querida,

a fé nua, a fé humilde, pequena, quase minúscula,

a fé dessossegada dos buscadores,

a fé temperada no fogo da crise,

a fé cravada no silêncio da cruz.

 

Dá-nos, Senhor,

um pouco de fé,

uma fé tão pequena como um nada,

como a semente de mostarda,

pequena, mas cheia do Teu poder,

que faz grandes os pequeninos

e fará ainda coisas maiores.

Senhor, sustém nas Tuas mãos

a minha fé sempre pequenina

e aceita os meus inúteis serviços.

Ámen.

 

 

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