Homilia no XXIV Domingo Comum C 2022
1. Não há duas sem três. E, à vista desarmada, parecem três as parábolas do Evangelho, mas afinal é uma só… esta parábola da misericórdia, desenvolvida em três cenários diversos: o do homem que procura, entre 100, a sua ovelha perdida fora do pasto; o da mulher que procura, entre 10, a sua dracma perdida dentro de casa; e, por fim, o do pai que procura os seus 2 filhos perdidos: o mais novo fora de casa e o mais velho dentro de casa. Em cada uma destas três imagens há pormenores fabulosos, mas ressaltam, desde logo, alguns pontos comuns: a busca incessante e laboriosa d’Aquele que procura (seja o pastor, a mulher ou o pai); a procura sem termo nem condições, até encontrar o perdido (a ovelha, a moeda ou os dois filhos). Mas salta à vista do coração a alegria transbordante d’Aquele que encontrou e salvou o que estava perdido!
2. Não podendo explorar, em pormenor, cada uma das três imagens, fixemo-nos hoje, na figura da mulher, que procura a dracma perdida, uma moeda que não vale um tostão furado, mas que é preciosa e única a seus olhos. Esta mulher acende a candeia, como quem abre uma janela, para deixar projetar a luz na escuridão e, sobretudo, para ver muito além do seu nariz. Esta mulher varre cuidadosamente toda a casa, levanta tudo, vê ao pormenor, não descarta o lixo nem o mete debaixo do tapete, mas passa o lixo no pente fino da sua vassoura, na confiança de ver brilhar no meio do lixo a sua moeda ou de a ouvir tilintar sobre o solo rochoso da casa. Ao encontrá-la, convoca as amigas e vizinhas, para partilhar com elas a alegria pelo seu tesouro reencontrado.
3. Esta mulher é mulher e – como dizia o Papa Francisco, na sua entrevista esta semana à TVI/CNN Portugal – “a mulher nunca abandona o que está perdido”. Esta mulher é, neste sentido, a imagem de um Deus, para quem somos únicos e preciosos, mesmo quando não passamos de lixo aos olhos dos outros. Esta mulher recorda-nos que o género e o génio da Igreja são femininos. Isso mesmo nos recordou o Papa Francisco, na referida entrevista a Maria João Avilez. Não dizemos que somos “o Igreja”, mas sim “a Igreja” e, por isso, somos uma Igreja de rosto feminino, de coração materno, uma Igreja geradora de vida, que não desiste de ninguém, que não se resigna a perder nem um dos seus filhos, mas os procura até os encontrar, porque são sangue do seu sangue. E hoje, sentimos que não é só preciso ir em busca dos chamados distantes da Igreja. Na nossa reflexão sinodal, dissemos que “entre os distantes da Igreja (sobretudo jovens), também se encontram os que estão «dentro do sistema» sem estar «por dentro» (em comunhão eclesial efetiva)”, estão em casa, mas fora de casa.
4. Neste início de um novo ano pastoral, esta bela imagem feminina vem recordar-nos a necessidade de procurar, de valorizar e resgatar os que estão perdidos ou desaproveitados ou esquecidos ou arrumados ou condenados dentro da Igreja, os que por aqui se perdem no esquecimento, no anonimato, na indiferença, na passividade, no julgamento impiedoso dos demais. Quantas pessoas, nesta assembleia, não poderão dizer: “a mim, nunca ninguém me procurou para nada”, “de mim, nunca ninguém quis saber”, “eu não passo de lixo debaixo do tapete dos «maiorais» desta Igreja”, ou “eu estive doente, eu estive ausente e ninguém me procurou”. Temos de pedir perdão uns aos outros por tudo isto. E recordar que é dever de todos procurar e deixar-se encontrar.
5.Irmãos e irmãs: procuremos sem nos cansarmos e até encontrarmos, alegremo-nos por cada um dos que encontrarmos, pois cada um foi resgatado por alto preço e é de valor incalculável aos olhos de Deus. Que ninguém se sinta excluído, ignorado, isolado, dentro da nossa comunidade, para que a nossa comunidade seja uma mãe de coração aberto. Abram uma janela. Dilatem o coração. Cada um é o presente que queremos abraçar com alegria!