Homilia no III Domingo de Páscoa C 2022
Com a Páscoa, chegou o dia da libertação. Aleluia. Caíram as máscaras! Podemos agora viver o tempo pascal de cara descoberta. A Palavra de Deus ajuda-nos a dar significado pascal a esta libertação das máscaras, cujo uso primeiro estranhámos e logo depois entranhámos. O risco maior agora é o de nos acomodarmos ao seu uso, procurando mais a nossa proteção individual do que a nossa aproximação aos outros. Deixemo-nos desmascarar, seguindo os três passos do Evangelho: desembaciar as lentes, destapar o rosto e apostar nos encontros à volta da mesa.
1. Desembaciar as lentes. O Ressuscitado não usa máscaras de espécie alguma. Jesus manifesta-Se aos discípulos ao limiar do dia, mete conversa com eles, no final de uma pesca falida, mas eles não O reconhecem à primeira, nem à segunda. Têm ainda o seu olhar embaciado pela máscara da tristeza e do desencanto. O seu olhar está filtrado pelas lentes escuras da noite, pela sensação do vazio, do desnorte, do medo. Apesar de tudo, aceitam o desafio de Jesus em lançar as redes noutra direção. E, na abundância daquela pesca, o discípulo amado vê e lê o sinal do Ressuscitado e logo diz a Pedro: «É o Senhor». Pedro não se pode esconder por trás de uma máscara. Não se pode enterrar no chão. Atira-se ao mar. Depois Jesus acende um lume novo, outra fogueira, outro calor, que desembacia de vez o olhar embotado dos discípulos, os abrasa e contagia de profunda alegria.
Este tempo de Páscoa seja uma oportunidade para deixarmos o Senhor desembaciar o nosso olhar, para podermos ver as pessoas, a realidade, sem os filtros das nossas lentes escuras, mas na luz do Senhor, na luz da fé, com as suas lentes luminosas e progressivas. Largar as máscaras é libertar-nos das cataratas nebulosas do medo, do preconceito e da desconfiança, para alcançar um olhar puro, capaz de ler e de ver a nossa vida e o rosto dos outros em profundidade!
2. Destapar o rosto. A máscara esconde-nos boa parte do rosto. Alguém que retire a sua máscara, pode surpreender-nos, porque afinal não era a pessoa que pensávamos ou tal como a imaginávamos. Muitas vezes sucede o mesmo com a imagem que construímos de nós mesmos: não somos bem o que desejaríamos ou aquilo que outros veem em nós. Aceitar e abraçar a verdade do que somos, com as nossas luzes e sombras, ambiguidades e lutas, é um passo necessário para avançar com realismo e liberdade na vida. Somos o que somos diante de Deus, nada mais e nada menos. Isso o experimentou Pedro, pecador, naquele diálogo, de rosto destapado, diante de Jesus, que lhe pede apenas o Seu amor.
Viver a Páscoa sem máscaras ajuda-nos a reconciliarmo-nos com os pontos negros do nosso rosto, a convertermos as nossas feridas e pecados numa brecha pela qual a luz do Senhor possa entrar. Deixemos que o Ressuscitado vá destapando o que oculta as duas faces do rosto: do nosso, dos outros e do rosto de Deus!
3. Apostar nos encontros à volta da mesa. Uma das maiores penitências do tempo das máscaras foi impedir-nos de comermos juntos. No Evangelho, as brasas e a comida são um momento de intimidade e de convivialidade. O Ressuscitado continua a fazer da mesa esse lugar privilegiado do encontro, da proximidade, da amizade, da familiaridade, do perdão e da festa. Por isso, é necessário apostar, de novo, nos encontros à volta da mesa, seja lá em vossa casa, entre familiares e amigos, seja nesta nossa casa, para crescermos como comunidade de amor.
Irmãos e irmãs: tirarmos as máscaras supõe agora dispormo-nos e expormo-nos a este tipo de encontros à volta da mesa. Assim se cumprirá a promessa de intimidade e envio que o Senhor nos faz: “Se alguém ouvir a Minha voz e Me abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com ele e ele coMigo” (Ap 3,20). Sem a mordaça da máscara, para uma Páscoa a plenos pulmões e de cara descoberta!