Homilia no VI Domingo da Páscoa 2021
1. Valia a pena contar a história inteira da conversão pessoal de Cornélio e da conversão pastoral de Pedro, que ocupa todo o capítulo décimo do livro dos Atos. No princípio, está a história de um homem bom, de um homem temente a Deus. É um cidadão romano, na Cesareia, com patente militar, um pagão simpatizante do judaísmo, um homem que se distingue por duas coisas: rezava com todos os da sua casa e dava largas esmolas ao povo (cf. At 10,2). Não tem a marca da circuncisão como os judeus e, por isso, não fazia parte dessa comunidade religiosa. Mas reza em sua casa. Não é ainda um batizado, como os cristãos e, por isso, não faz parte dos que seguem a Via, que é Cristo. Mas escuta a Palavra de Deus em sua casa. Ora, se é verdade que quem permanece no amor permanece em Deus (1 Jo 10,16), então Deus já está na vida deste homem bom. Deus não é património exclusivo de judeus ou de cristãos. Se quem ama nasceu de Deus e se todo aquele que vive no amor é gerado por Deus, então este homem, que se distingue pela sua piedade e generosidade, é já alguém alcançado por esse amor que vem de Deus. É a este homem, enquanto reza em casa, que o Senhor dá a senha para ir e sair ao encontro de Pedro.
2. Por sua vez, o apóstolo Pedro está hospedado numa casa, em Jope (cf. At 10,5.9). Pedro é um judeu de raiz, para quem os pagãos eram considerados impuros e, portanto – a seu ver – deviam ser excluídos do anúncio do Evangelho. Também Pedro, em casa, quando rezava e se preparava para matar a fome, tem uma visão, que lhe abre os olhos e o faz ver que não se deve chamar impuro ou profano a nada e a ninguém deste mundo (cf. At 10,15.28). Deus não faz aceção de pessoas (cf. At 10,34). Pedro verá, com os próprios olhos, que os pagãos dão testemunho do amor de Deus, estão prontos para escutar a Palavra e, por isso, recebem o Espírito Santo. Pedro converte-se então a uma nova etapa na evangelização e ordena que sejam batizados Cornélio e todos os de sua casa. É um primeiro e grande passo: abre-se de par em par aos gentios a porta da fé (At 14,27)!
3. Esta história tem muito a ver connosco e com algumas lições da pandemia.
A primeira lição é a importância da casa e da família, como lugar de oração. Quer Cornélio, impedido de ir ao templo, quer Pedro, sem uma igreja para rezar ou pregar, um e outro rezam em casa, escutam e anunciam em casa a Palavra de Deus. É no ambiente doméstico que ambos têm uma visão enquanto rezam, porque só a oração transforma o olhar do coração. Aprendemos, com a pandemia, a estar em casa, a fazer da casa lugar de oração, de transmissão da fé, de liturgia familiar e de catequese. Devemos, agora, sair de casa para o templo e desconfinar em direção à comunidade. Sim. Façamo-lo sem demora. Mas não deixemos nunca de rezar em casa, em família. Neste mês de maio, podemos fazer em casa esta maratona da oração, sob a guia de Maria, na companhia de José, pedindo ao Senhor o fim e o bom aproveitamento desta pandemia.
A segunda lição da pandemia é que Deus está na vida de tantos, que considerávamos impuros ou pagãos ou católicos de segunda. A entrega até ao limite das forças, a renúncia a estar com a própria família para salvar vidas mostraram-nos como Deus já habita o coração daqueles a quem O queremos anunciar. Nos corredores da pandemia revelaram-se tantas histórias de vida, que têm o sinal de Deus, a marca do Seu amor. Anunciar a Palavra de Deus a estas pessoas é, primeiro que tudo, escutá-las, para ouvirmos juntos a Palavra que Deus nos diz através delas. O seu amor aos irmãos é uma palavra silenciosa do Amor de Deus por todos nós. Logo que pudermos, vamos a casa destas pessoas ou convidemos estas pessoas para vir a nossa casa e fiquemos juntos alguns dias, partilhemos a experiência do amor de Deus, que nos tocou com mãos humanas e se atravessou neste tempo de tamanha dor, de tanta luta e de luto para tantos.
Sejamos todos testemunhas destemidas de que, também hoje, o Senhor manifesta a salvação a todos os povos, porque Deus não faz aceção de pessoas!