Homilia no VI Domingo Comum B 2021
1. Começámos por lhe chamar distanciamento social. Com a pandemia e o risco de contágio de um vírus invisível, às vezes benigno, às vezes maléfico e outras vezes mortal, pediram-nos distanciamento social, como se cada um representasse um perigo para todos os outros. Os infetados e os suspeitos de infeção têm dever ético de isolamento, para proteção dos demais. E, de repente, a tão desejada proximidade, tornou-se proibida. Mas depressa se percebeu que não era muito correto falar de distanciamento social, porque o motivo da distância não é a recusa da proximidade e da atenção ao outro, mas o risco do contágio ao outro ou do outro. E começámos a falar de distanciamento físico, como se cada um recuasse mais um passo, para dar mais espaço de vida e atenção aos outros.
2. A dureza deste distanciamento físico, cujo cordão sanitário tantas vezes temos a tentação de romper, ajuda-nos a compreender o sofrimento físico e psicológico do leproso, no tempo de Moisés e no tempo de Jesus. A lepra é uma doença contagiosa e impetuosa, que desfigura a pessoa e que, por isso mesmo, se tornara símbolo da impureza. Nesse sentido, o leproso era visto como o “imundo”, que devia permanecer distante de todos: não podia entrar no templo nem participar no serviço divino. Longe de Deus, afastado dos homens, ele era visto como a vítima e o culpado. Era como um morto ambulante, a quem estão interditas as relações pessoais, familiares e sociais, afetivas, políticas e religiosas. E, por isso, o leproso é o símbolo perfeito da pessoa marginalizada, a quem era imposto um absoluto distanciamento social.
2. O Evangelho mostra-nos o encontro de Jesus com o leproso. Ambos desrespeitam o cordão sanitário (cf. Lv 13,45-46). Porque Jesus é verdadeiramente o médico divino e não pode curar sem Se compadecer, sem o tocar, sem Se aproximar, sem correr Ele mesmo o risco de Se deixar contagiar. Vede: Jesus expõe-Se diretamente ao contágio do nosso mal, para nos curar. Ele mesmo toma o lugar do excluído. Logo depois da cura, Jesus já não podia entrar abertamente em nenhuma cidade. Tal como o leproso, Jesus “ficava fora, em lugares desertos”. É assim que Jesus chegará à Cruz, desfigurado e rejeitado, como o Servo de Deus, descrito em Isaías como alguém “que nós considerávamos como um leproso” (Is 53,4).
3. Irmãos e irmãs: neste leproso vemos o rosto de muitos infetados pela COVID-19, isolados em suas casas, acamados em enfermarias ou nas unidades de cuidados intensivos, doentes de quem ninguém se pode aproximar. E, olhando para este Jesus, que Se expõe ao risco do contágio para curar, vemos o rosto de tantos profissionais de saúde, médicos, enfermeiros, voluntários, capelães de hospital que, fiéis à sua missão, se aproximam dos infetados, com dedicação extrema, dando prioridade à vida dos outros sobre a sua própria vida. Quantos destes profissionais não ficam, por largos tempos, como Jesus, “em lugares desertos”, fora de suas casas, longe dos seus, para proteger os seus familiares?! São verdadeiros imitadores de Cristo, uma verdadeira reserva moral da nossa humanidade e um sinal de esperança num mundo renovado.
4. O apelo «fique em casa» e o necessário distanciamento físico, em tempos de novo confinamento, não seja pretexto para a indiferença, para o esquecimento ou para a marginalização, seja de quem for. Tornemo-nos instrumentos do amor de Cristo, cuidando ainda mais uns dos outros! Se o mal é contagioso, o bem também o é. Deixemo-nos então contagiar pelo bem e contagiemos o bem! Este contágio é possível, mesmo à distância, se as redes, em vez de nos cercarem, nos aproximarem! Longe da vista, mas perto do coração!