Liturgia e Homilias no XXX Domingo Comum A 2020
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Jesus continua sob interrogatório e a surpreender-nos com as suas respostas. Da política ao catecismo, os fariseus experimentam Jesus, em todas as matérias. Agora, a pergunta a Jesus é sobre qual o principal mandamento, de entre os 613 preceitos que os judeus multiplicaram a partir dos 10 mandamentos! Jesus recorda-nos o amor a Deus e ao próximo, como duas faces da mesma moeda, pondo diante de nós o rosto de Deus e a face do irmão. Ambos provêm do mesmo Amor com que Deus primeiro nos amou. Amar a Deus e amar o próximo não é mais do que responder ou corresponder a esse primeiro amor. Por isso, movidos pelo amor de Deus, deixemo-nos converter ao Deus vivo e verdadeiro.

Homilia no XXX Domingo Comum A 2020

 

1. Mais uma vez, uma pergunta a Jesus, para o pôr à prova. E, mais uma vez, a resposta é dupla. Jesus recorre a dois textos bem conhecidos. O primeiro, do Livro do Deuteronómio, fala do «amar a Deus, com todo o coração, com toda a alma e com toda a mente» (Dt 6,4-5), pondo de parte um amor apenas sentimental ou devoto, para fazer deste amor a Deus uma decisão da vontade, um compromisso, uma entrega pessoal e total ao Senhor. Mas Jesus recorre ainda a outro texto da Lei, do Livro do Levítico, lembrando o dever de «amar o próximo como a si mesmo» (Lv 19,18). Amando o próximo, amo-me verdadeiramente a mim próprio. O amor ao próximo, com um nome, um rosto, um corpo e uma história, converte-me à realidade e leva-me a sair de mim mesmo, a ser verdadeiramente eu próprio, para encontrar o outro.

2.Onde está então a novidade do ensinamento de Jesus? Na perspetiva de Jesus, o “amor a Deus” e o “amor ao próximo” não são dois mandamentos diversos, mas duas faces da mesma moeda, nas quais se vislumbram o rosto do Pai e a face do irmão.Outra originalidade na resposta de Jesus está no alcance e no significado da palavra «próximo». “Enquanto o conceito de «próximo», até então, se referia essencialmente aos concidadãos e aos estrangeiros que se tinham estabelecido na terra de Israel, ou seja, à comunidade solidária de um país e de um povo, agora este limite é abolido. Qualquer um que necessite de mim e eu possa ajudá-lo, é o meu próximo” (Bento XVI, DCE 15).

3. Perante isto, o Papa Francisco deixa-nos, na sua encíclica “Todos irmãos”, alguns desafios, que eu resumiria em dois: desconfiar de um certo amor ao próximo e desconfinar o amor ao próximo, para nos tornarmos irmãos de todos:  

3.1.Desconfiar de um certo amor ao próximo, quando este amor nos isola em grupos fechados, em sociedades de interesses comuns, de tal modo que cavamos um muro de separação entre «nós» e «os outros» (cf. FT 27). Isto pode acontecer quando tomo como próximo o amigo, o marido ou a esposa, e me esqueço que a outra pessoa não vive só para a relação que tem comigo nem eu vivo só para a relação que tenho com ela. Tal pode acontecer no seio de um casal, dominado por um intimismo egoísta, sob a aparência de uma relação intensa (cf. FT 89). Tal acontecerá em famílias que se fecham dentro do seu casulo, sem abertura a uma teia mais ampla de relações. Pode acontecer numa associação, quando nos tornamos sócios preocupados apenas em consolidar benefícios pessoais (cf. FT 102). Pode acontecer quando o meu próximo é apenas o da minha pátria, esquecendo-me que cada irmã ou cada irmão que sofre, abandonado ou ignorado pela sociedade, é um forasteiro existencial, embora tenha nascido e sobreviva no meu país. Pode acontecer, em tempos de pandemia, que o meu amor ao próximo se esqueça da necessária distância física, para preservar o outro do contágio do vírus. É preciso desconfiar de certas formas de amor ao próximo, porque na verdade não passam de formas idealizadas de egoísmo e de mera autoproteção e autopromoção (FT 89; cf. FT 62).

3.2.É então urgente desconfinar o amor ao próximo, alargar o meu círculo de atenção e de cuidado amoroso, até chegar àqueles que espontaneamente não sinto como parte do meu mundo de interesses, embora se encontrem perto de mim. Muitas vezes o nosso mais próximo fisicamente é o mais distante socialmente! Jesus desafia-nos não a perguntar mais quem é o meu próximo ou o meu vizinho, mas a tornarmo-nos vizinhos e próximos de todos (FT 80), de cada irmã ou cada irmão que sofre, abandonado ou ignorado. Na verdade, “a globalização fez-nos vizinhos, mas não nos fez irmãos” (CV 19; cit. FT12).

Temos pela frente tempos difíceis, com a crise pandémica a sangrar. Diante do sofrimento e da pobreza, tornemo-nos próximos e vizinhos de quem quer que seja. Uma vez que somos todos irmãos, tornemo-nos então irmãos de todos.

 

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