Homilia no XXI Domingo Comum A 2020
1. Há duas perguntas de Jesus, no Evangelho, seguidas de uma felicitação a Pedro. E há três interrogações de Paulo, na Carta aos Romanos, que vêm depois de dois pontos de exclamação! Estas perguntas fazem-me ressonância da leitura de um livro recente, com um título sugestivo, inspirado no programa do Papa Francisco para este tempo da pandemia: “Ressurgir”[1]. É um livro com 40 perguntas sobre a pandemia. Lá estão perguntas como estas: E agora? Que vida iremos ter? Aonde aportaremos após este dilúvio de problemas? Que rumos tomar perante uma crise tão súbita? Que feridas ficarão abertas e quais as saradas? Que sinais, temores e esperanças, temos sobre o novo normal que se aproxima? Qual o sentido da calamidade que nos instala onde afinal sempre estivemos? E como partilhar soluções novas, no meio de uma vozearia à escala global, impelidas por poderosas agendas de interesse político e financeiro? Em que funduras caímos? Que falta, pois, fazer? (cf. pp. 5-10).
2. E também há perguntas sobre o estado e a missão da Igreja: As nossas Igrejas vazias, durante a pandemia, denunciarão o vazio escondido das Igrejas? As Igrejas vazias serão o prenúncio de um futuro mais que presente? Ou as Igrejas vazias anunciarão uma nova fase de uma Igreja, mais familiar e «em saída», mais «hospital de campanha» do que central de serviços religiosos (cf. pp. 217-219)? Estaremos perante o desafio de um cristianismo mais unido, na compaixão e na partilha da dor do que obcecado pelo rigor da doutrina e da organização? Que esperança afinal nos pode mover? “A convicção de que «tudo vai correr bem» ou a certeza [da fé] de que algo [ou tudo] faz sentido, independentemente de correr bem?” (cf. p. 10).
3. São muitas perguntas, que nos devem colocar a todos, crentes e não crentes, num mesmo estado de humilde interrogação, de busca comum de um sentido para a vida, de procura conjunta de novos caminhos e de novas respostas para um mundo que não voltará – Deus queira – ao normal. Mas não caiamos na tentação de inverter as posições, com perguntas arrogantes, que tentam culpar Deus ou pedir-Lhe contas, como se Ele tivesse de Se justificar ou explicar diante de nós, ou como se Ele nos devesse alguma coisa, depois de nos ter dado tudo em Seu Filho Jesus Cristo! É grande a tentação de interrogarmos Deus e os outros, em vez de nos deixarmos examinar e pôr em questão. Mais um pouco de arrogância e estaríamos a reclamar o direito de nos constituirmos “conselheiros” de Deus. Ora – como diz São Paulo – a sabedoria de Deus é profunda, isto é, sem fundo, e, por isso, a nossa corda é sempre demasiado curta para a alcançar. Diante de Deus (da Sua ciência e sabedoria e dos Seus desígnios insondáveis), convêm-nos mais a admiração, a modéstia e a maravilha, do que a presunção, a arrogância e a altivez.
4. Irmãos e irmãs: vale a pena, viver estes últimos dias do mês a(o) gosto de Deus, a ouvir a sua voz no sibilar dos ventos da história, a contemplar a profundidade do Seu mistério no movimento das marés, a acolher os Seus desígnios insondáveis com os olhos abertos a partir do cimo de uma montanha. Precisamos de fazer férias de nós mesmos, para ouvir o bater do coração, para deixarmos ressoar dentro de nós as grandes perguntas.
5. Deixemos que seja o Senhor a fazer-nos todas as perguntas. E a primeira, para pôr a conversa em dia com Deus, bem podia ser esta pergunta de Jesus: “E tu, quem dizes que Eu sou? Ainda conto alguma coisa na tua vida”? Por mim, responderia simplesmente: “Senhor, Tu és Aquele que o meu coração espera”.