Homilia na Solenidade da Santíssima Trindade A 2020

1. Nos últimos meses, o que mais nos dói é a privação do encontro pessoal face a face, a impossibilidade do toque e da carícia, do beijo ou do abraço, da saudação calorosa e do ósculo da paz. As nossas formas tradicionais de relação e de comunhão, de presença e de proximidade, de contacto e de comunicação foram reconfiguradas! Rapidamente lançámos mão das imensas potencialidades do mundo digital, da internet e das redes sociais, para saltar, tanto quanto possível, os muros do confinamento e vencer as barreiras do distanciamento social. O desejo de proximidade, de relação e de comunicação não foi anulado pela atual pandemia da COVID-19, antes pelo contrário, foi estimulado. Se perguntarmos às pessoas o que mais esperam da evolução deste tempo difícil, elas dizem-no com franqueza: poder dar e receber um abraço, partilhar uma mesa de convívio, voltar a estar juntos, sem fios e sem redes, sem máscaras nem paredes de vidro. E porque é que nós não nos resignamos a ficar fechados, confinados, isolados? A resposta é simples: está-nos na massa do sangue este desejo profundo de comunicar, porque somos criados à imagem e semelhança de um Deus que é mistério de comunicação e de comunhão.

2. É esse mistério de comunhão que está no centro da nossa fé cristã e hoje no foco da nossa celebração. A Santíssima Trindade é um mistério de perfeita comunicação, de pura relação de amor e de perfeita comunhão entre as três pessoas divinas do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Esta eterna relação de amor não se processa dentro de um mundo divino, confinado lá nos céus, fechado e isolado nas alturas, inacessível e incomunicável aos humanos. Não. O nosso Deus é um Deus desconfinado, extrovertido, comunicativo, um Deus que amou de tal modo o mundo por Ele criado que saiu de Si mesmo, veio ao nosso encontro, para nos comunicar e fazer participar da Sua vida, do Seu amor.

3. Irmãos e irmãs: a comunicação é um caminho necessário para chegar à comunhão. Criados à imagem e semelhança deste Deus que é comunicação eternamente interpessoal, cresceremos como pessoas, à medida da qualidade humana das nossas relações, à medida da nossa proximidade concreta aos outros, à medida da comunicação e da partilha de tudo quanto somos e temos. A internet, as plataformas digitais e as redes sociais oferecem-nos maiores possibilidades de encontro, de proximidade e de solidariedade entre todos. A rede digital pode ser hoje um lugar rico de humanidade, se não for apenas uma rede de fios e se converter numa rede de pessoas humanas.Não basta circular pelas «estradas» digitais e estar conectados: é necessário que a conexão seja acompanhada pelo encontro humano verdadeiro.

4. A alegria deste encontro, nesta assembleia litúrgica, diz-nos que afinal precisamos todos de um amor próximo, de carne e osso. Precisamos da ternura, do toque e do cheiro pessoais. Ultrapassemos os obstáculos da comunicação que ainda nos atrapalham: os rostos tapados pela máscara lembrem-nos que “Deus vê o coração” (1 Sm 16,7): quem vê caras não vê corações. A distância física nos permita criar mais amplo espaço para Deus (e) entre nós. A comunhão silenciosa na mão desafie-nos a amar o nosso Deus e os nossos irmãos “não com palavras e com a língua, mas em obras e em verdade” (1 Jo 3,18).

5. Há, na verdade, neste encontro, uma rede de comunicação tecida por um fio invisível de Amor, a unir-nos e a reunir-nos nesta assembleia e para além dela: chama-se “Santíssima Trindade”. Ela é o mais poderoso satélite de ligação entre o Céu e a Terra e a mais eficaz agência de comunicação entre os seres humanos. Onde a rede de Deus nos alcançar, a ligação entre nós terá o sinal mais forte!