Homilia na Solenidade da Ascensão do Senhor A 2020
1. Começamos a desconfinar… e logo a desconfiar que nada será como dantes. Abrem-se algumas portas, que nos convidam a retomar, com cautela, a nossa vida comunitária habitual. Mas também nos dizem que precisamos de nos adaptar a um “novo normal”. Respeitar o distanciamento social, usar a máscara e desinfetar as mãos… são hoje os mandamentos principais do amor a si mesmo e ao próximo. E esta proximidade, num mundo global, é cada vez mais digital do que artesanal. A nossa casa tornou-se não apenas um lugar a habitar, mas também local de estudo e de trabalho à distância, espaço para a catequese e templo de uma liturgia mais familiar. A pandemia acelerou e precipitou algumas mudanças, que muito a custo íamos fazendo. Mas de repente, este é o nosso “novo normal” e há que recomeçar, não para voltar ao mesmo, mas para enfrentar com ousadia criativa um futuro, que não se compagina com programas de longo ou médio prazo.
2. Penso neste desafio do “novo normal”, como uma experiência crítica difícil, semelhante à dos onze discípulos, no dia da Ascensão. Estavam habituados a ter o Mestre ali por perto e a ser apenas aprendizes. De repente, o Mestre já não está à mesa … e eles próprios são chamados a sair à rua, a ensinar, a deixar a marca de Jesus, sem deixar de ser seus discípulos. De repente, aquele Jesus, que ali estava sempre à mão de semear, para um conselho, para uma ajuda, para um consolo, parece “evaporar-se” e eles ficam a olhar para o céu, como se a Terra lhes escapasse debaixo dos pés. De repente, têm de aprender que a proximidade pessoal de Jesus se distancia a seus olhos e que. doravante, Ele se comunica, não fisicamente, mas pelos fios de uma rede de comunhão tecida entre eles. De repente, eles percebem que chegou a hora de se chegarem à frente, de irem adiante, de voltarem à Galileia e daí mesmo partirem em missão. De repente, são enviados em missão, por todas as nações, ao encontro de todos os corações, sem ficar confinados aos recintos sagrados do Templo de Jerusalém.
3. Para nós cristãos e para as nossas comunidades, aproxima-se o dia do regresso gradual às celebrações, com a participação do Povo, nos dias 30 e 31! Também para nós, se apresenta o desafio de um “novo normal”, na nossa vida cristã e na nossa pastoral. E eu resumiria os desafios deste novo normal, em três palavras:
3.1.Uma Igreja mais laical do que clerical. Numa Igreja em que todos os batizados são discípulos missionários, as famílias tornam-se Igrejas domésticas e os cristãos transformam o mundo, com o fermento do Evangelho e o seu testemunho pessoal. Assumamos então a missão da família, como Igreja doméstica; valorizemos o papel e os ministérios dos leigos, de modo que os frutos da missão dependam mais da ação e do testemunho da maioria dos fiéis, do que da omnipresença ou da competência dos seus poucos padres.
3.2.Uma Igreja mais «hospital de campanha» do que «central de serviços religiosos».Mais do que pregar uma moral, a Igreja, que somos todos nós, é chamada a curar os feridos e as feridas desta vida, a amar e a caminhar com os pobres, a ir ao encontro dos que ficam para trás. E, deste modo, evangelizará, porque deixará Deus falar, pelo testemunho do próprio amor.
3.3.Uma Igreja mais em rede digital do que confinada no seu mundo paroquial. A Igreja, que somos todos nós, precisa de aprender a nova língua digital, de criar link’s com o exterior, de tecer novas relações de vizinhança com os mais distantes, de partilhar a Boa Nova pelas redes sociais e de transformar o próprio ambiente digital à luz do Evangelho. Só assim estaremos todos onlife com Cristo e com os irmãos na Galileia dos pagãos.
Querida Paróquia [de Nossa Senhora da Hora]: a imagem da tua Igreja vazia nestes onze domingos deixa uma mensagem que deves escutar: «Procura-te a ti mesma e encontra-te a ti mesma… fora de ti mesma». Este é o novo normal da comunidade cristã, desde aquele desconfinamento, iniciado no monte da Ascensão, até à abertura de todas as portas, para a missão, no tão esperado dia de Pentecostes.