Não posso, por isso, visitar os presos, e olhar para eles, em bicos de pés, apontando o dedo, a quem falhou o alvo da vida. “Penso antes – disse o Papa Francisco- nas minhas próprias feridas, erros e pecados, de que o Senhor me quis perdoar e reeducar. Faço-o com a consciência de que, sem a Sua graça e a minha vigilância, poderia repeti-los. Por isso, advém a pergunta: «Porquê eles e não eu?»[1]” Porque afinal todos somos prisioneiros dos nossos pecados, “todos somos bem capazes de fazer toda a espécie de coisas pecaminosas. Simplesmente muitos de nós nunca tiveram a oportunidade nem a raiva nem o sentimento de desolação suficientes para as fazer”[2]. Por isso, em vez de pedras, perdão; em vez do julgamento apressado, que vinga o pecado, a misericórdia, que liberta.
2.Pensando bem, caríssimos irmãos e irmãs: o desafio colocado a um recluso é o mesmo com que se defronta a mulher adúltera e que também a nós diz respeito, nesta Quaresma jubilar. É preciso “virar a página”.
2.1.Virar a página da minha vida, na certeza do perdão recebido, o que implica deixar para trás a pedra do meu passado e do meu pecado e encetar um caminho de vida nova. Não há santo… sem passado de pecado. Nem pecador, sem esperança de futuro. Como disse o Papa aos presos, “conhecestes a força do sofrimento e do pecado; não vos esqueçais, porém, que tendes ao vosso alcance também a força da ressurreição, a força da misericórdia divina que faz novas todas as coisas”.
2.2.Para isso, é preciso também virar a página da vida do meu irmão, com o perdão oferecido. Àquele que comete uma falta grave não se pode apenas aplicar uma penitência, um castigo reparador; é preciso também oferecer o remédio do perdão e, com ele, “uma nova possibilidade de se arrepender, converter e acreditar” (MV n.º 21), porque toda a pessoa é maior que os seus erros. “Isto não significa desvalorizar a justiça ou torná-la supérflua. Antes, pelo contrário, quem erra deve descontar a pena; só que isso não é o fim, mas o início da conversão, porque então se experimenta a ternura do perdão” (MV n.º 21), que nos recria. Onde não houver misericórdia, tão-pouco haverá justiça!
(Nota: A homilia pode terminar aqui)
3. Permitam-me terminar esta visita virtual à cadeia, com uma pequena história: “Ana, uma mulher divorciada, com um filho, aprendeu a misericórdia da maneira mais dura. O seu único filho, caloiro na universidade, foi assassinado por um sem-abrigo, de dezassete anos, que lhe pediu boleia e, ao entrar no carro, apontou uma pistola ao jovem condutor. A mãe desceu então a um poço de raiva e vingança. O assassinato do seu filho foi um ato fortuito, sem motivo e indefensável. Ana ficou sozinha, confusa, cheia daquele tipo de dor e ódio, que paralisa o coração e faz parar a vida. O seu filho, um bom rapaz, um estudante de sucesso, a esperança da sua vida, tinha partido. Ela estava agora completamente só, sem futuro, sem esperança, aparentemente sem nenhuma razão para viver. Mas treze anos depois, visitou o assassino na prisão, tendo como única intenção obter informações sobre a noite do crime. Mas quando durante a conversa, o jovem baixou a cabeça sobre a mesinha, à volta da qual estavam ambos sentados e começou a chorar, ela tocou o homem. E começou a conhecê-lo. A história chocou o país: «Como pôde ela fazer aquilo?», perguntavam as pessoas. Ou talvez mais concretamente se perguntassem a si mesmas: «Seria eu capaz de fazer tal coisa?». A resposta de Ana foi simples: «Se fosse meu filho – disse ela– eu gostaria que alguém lhe desse a mão, para o ajudar a erguer-se».
A história não é apenas comovedora, mas também esclarecedora, para todos nós. Ensina-nos uma coisa muito importante, sobre a misericórdia. A misericórdia é o que Deus faz por nós”[3]. Perdoa, por amor, a um ser humano, que não «merece» amor, mas oferece-o quando o outro mais precisa dele, para virar a página da sua vida. Esta é a graça do perdão: esquecer o passado e dar uma nova oportunidade, para o futuro.
[1]PAPA FRANCISCO (17.2.2016), Discursona visita ao centro de readaptação social n.3 de Ciudad Juárez, México.
[2]JOAN CHITTISTER (2012), O sopro da vida interior, Paulinas Editora – Prior Velho,pp. 151.
[3]Adaptado de Joan Chittister (2012), O sopro da vida interior, Paulinas Ed. – Prior Velho,pp.149-151.