Homilia no XVI Domingo Comum C 2025
Duas mulheres, Marta e Maria. Duas surpresas: primeira: uma mulher à frente de uma casa, quando o normal na cultura patriarcal dos judeus seria que a casa tivesse um varão como cabeça visível. Segunda surpresa: uma mulher, discípula do Senhor, quando o discipulado e o estudo da lei eram vedados pelo judaísmo às mulheres. Diríamos que, à cabeça deste célebre episódio, temos um cenário de rutura com uma masculinidade tóxica. Mas fixemo-nos atentamente no perfil destas duas mulheres de Betânia, irmãs de Lázaro:
1. Marta é a administradora da casa, mulher ocupada e preocupada por mil coisas. É a irmã mais velha, diríamos, a Senhora Dona Marta! Quer receber bem, praticar uma hospitalidade digna e sagrada; mas deixa-se dominar e descontrolar pelo ideal masculino da eficácia. E, por isso, torna-se uma mulher ansiosa, uma mulher em apuros, à beira de um ataque de nervos, de cabeça às voltas, com tanta coisa a fazer. Com a ideia fixa de cada coisa a fazer, ela perde o sentido e a visão do conjunto, perde a noção da realidade. Com essa preocupação excessiva acaba por tomar o lugar do hóspede e dá-lhe ordens como se fosse um subordinado: “Senhor, a ti não te importa que minha irmã me deixe sozinha a trabalhar; diz-lhe, pois, que me venha ajudar” (Lc 10,40). Marta manda ou pensa que manda, em casa, na sua irmã e em Jesus. Com o seu desejo de eficácia, o seu afã, a sua agitação, própria dos pagãos (Lc 12,30), Marta perde o sentido verdadeiro da vinda de Jesus, que veio ali, não em primeiro lugar para comer, mas para ser escutado como Mestre, para as alimentar com a Sua Palavra. Então, Jesus, com a Sua Palavra serena e soberana, não censura Marta, mas fá-la perceber que anda preocupada e às voltas com muita coisa, quando uma só é necessária. E diz-lhe que Maria, sua irmã, escolheu a melhor parte, que não lhe será tirada (Lc 10,42). Marta não compreendeu que quando Jesus entra em nossa casa, é d’Ele a casa, e nós simplesmente hóspedes, tranquilamente sentados junto d’Ele. Saibamos parar para escutar. O trabalho não azeda! Pára. Escuta e acolhe.
2. Maria é a irmã mais nova. Ao contrário de Marta, não se sente a dona da casa, mas faz-se hóspede de Jesus. Não diz uma palavra. Tranquilamente sentada aos pés de Jesus, escutava a Sua Palavra (Lc 10,39): ela é a discípula atenta, dedicada e deliciada, totalmente concentrada na escuta de outra voz, que não a sua. Ela é mulher de uma só coisa, de uma só pessoa. Compreendeu bem ao que vinha Jesus: Jesus vem como Mestre e ela acolhe-O como tal. O desejo de Jesus é comunicar a Sua Palavra. Maria de Betânia cumpre a bem-aventurança de Maria de Nazaré: «Felizes os que escutam a Palavra e a põe em prática» (Lc 11,27-28). Ela é a imagem da Igreja e da pessoa, que se definem como «ouvintes da Palavra». Não percamos a primazia da escuta da Palavra e da escuta dos outros. Lembremo-nos disto: escutar é a melhor forma de acolher, de hospedar, de receber!
3. Certamente, este Evangelho terá, nos nossos ouvidos, ressonâncias muito diversas. Perguntemo-nos sobre o nosso ativismo ansioso, sobre o pouco tempo dedicado à oração e à escuta da Palavra, sobre a tentação machista de confinar à cozinha e ao cuidado doméstico o papel das mulheres, cujo génio feminino temos desprezado, na sociedade e na Igreja. Mas, porque estamos no final deste ano pastoral, em tempo de avaliações, interroguemo-nos sobre uma só coisa, sobre os nossos mil afazeres na Igreja. Muitas vezes, a pretexto de trabalhar nas coisas do Senhor, esquecemos o Senhor de todas as coisas. Andamos tão ocupados com as coisas de Deus, que até O esquecemos a Ele. Deus é apenas o pretexto. Na verdade, as muitas coisas a fazer podem viciar não apenas a escuta, mas também o verdadeiro serviço.Fazer muito pode ser sinal de amor, mas pode também fazer morrer o amor. Penso em mim mesmo e nos irmãos sacerdotes: segundo um estudo recente da Conferência Episcopal Francesa, 20% dos padres apresentam sintomas depressivos e muitos sofrem sobrecarga e sinais de esgotamento; 2% entraram em burnout. São sinais de alerta, que nos recomendam a mim e a vós a necessidade de nos sentarmos mais aos pés de Jesus. Que as férias nos deem a oportunidade e a sabedoria de escolhermos a melhor parte!